Este texto foi escrito pra uma prof minha, que pediu pra que justificássemos por que pedimos para ela cancelar a aula. Eu não faço ideia do por que estou justificando isso pra vocês e nem pra ela, mas tá aí. <3
Por
três motivos deixei de ir à aula quarta-feira passada (04/11): Por ser mulher,
por ser estudante e por ser uma futura profissional de Psicologia.
Por
ser mulher porque percebo que, ainda que a muito tempo sejamos perseguidas,
desrespeitadas, deslegitimadas, negligenciadas e violentadas de todas as
formas, resistimos. Sobrevivemos. E dessa sobrevivência, fazemos vida. E para
isso, lutamos. Atualmente, um de nossos inumeráveis embates tem sido, ainda, pelo
respeito aos nossos corpos e a nosso direito a controlá-los. Em contrapartida,
pessoas privilegiadas de diversas formas, como o Deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
(Homem, branco, cisgênero, heterosexual, rico, detentor de poderes políticos)
fazem propostas, em acordos tenebrosos com pessoas e instituições diversas
(políticas, religiosas, econômicas, etc.), com a intenção justamente de
controlar e desrespeitar nossos corpos, uma das formas de manter-se em seus
privilégios. Com o PL 5069/13, de sua autoria, o atual presidente da Câmara propõe a
criminalização do anúncio de meios abortivos e revoga a lei de atendimento às
mulheres e meninas vítimas de violência sexual, a 12.845,
logo, será considerada criminosa e condenada à muitos anos de prisão (variáveis
entre usuário e profissional), tanto a pessoa que desejar praticar o aborto,
independente da circunstância em que
gravidez ocorra (e claro, ignorados seu desejo e suas necessidades),
quanto à pessoa que cumprir com seu dever ético profissional de prestar
atendimento -de qualidade- àquela vida (e todas as vítimas de abuso sexual, independente de gravidez ou não, deverão ser atendidas de forma desrespeitosa, desumana e burocrática).
Entendo
que o aborto seja uma prática complexa e que se trata de decidir por outra
(possível) vida e que não é uma escolha simples. Mas da mesma forma que abortar
pode trazer conseqüências físicas, psíquicas e mesmo sociais, não abortar pode
trazer outras conseqüências tão ou mais graves, e se há uma decisão a ser
tomada, ela deve partir daquela pessoa que vai sofrer diretamente tais conseqüências
e têm a possibilidade de se expressar sobre elas: a mulher (ou o homem trans,
porque é também uma possibilidade que deve ser considerada.). Logo,
enquanto mulher, em solidariedade com outras mulheres e homens trans e em
respeito aos nossos direitos, tenho o dever de lutar.
Enquanto
estudante, entendo que o aprendizado acontece em diversos tempos e espaços. Mesmo
o aprendizado pedagógico/escolar/acadêmico, não se efetiva apenas dentro de uma
sala de aula. As atividades em campo são fundamentais para que se concretize a práxis
educativa, para que a teoria e a prática de fato sejam uma síntese que
proporcione uma vivência coerente e justa. Considero os espaços de militância,
de participação social, educativos, conscientizadores e empoderadores. São
espaços de contato ativo com a realidade em que aplicamos e absorvemos conhecimentos
teóricos para o cumprimento de nossos deveres enquanto cidadãos e cidadãs.
Na
manifestação pude entrar em contato com pessoas de diversos cursos e mesmo
pessoas que não estão inseridas em espaços formais de educação, percebendo, na
diversidade dos discursos e práticas, a riqueza proveniente da articulação dos
diversos saberes para a composição de lutas que garantam o direito de todos. O
embasamento histórico da luta de nós mulheres, as análises socioeconômicas que
contextualizam o momento que estamos vivendo, as possibilidades de engajamento
por meios artísticos, os modos de enfrentamento cotidiano das trabalhadoras,
enfim, uma diversidade de saberes.
Enquanto
futura profissional de psicologia, comprometida com a realidade e preocupada
com o bem estar integral dos sujeitos e da coletividade, é minha
responsabilidade estar inserida em espaços como o que foi articulado, afinal, para
além de nossos deveres enquanto cidadãos, temos (profissionais de psicologia),
fundamentando nossa prática, os seguintes princípios:
“I. O
psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da
dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos
valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. II. O
psicólogo trabalhará visando promover a saúde
e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a
eliminação de quaisquer formas de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade
social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica,
social e cultural. IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do
contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da
Psicologia como campo científico de conhecimento
e de prática. V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às
informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos
padrões éticos da profissão. VI. O psicólogo zelará para que o exercício
profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a
Psicologia esteja sendo aviltada. VII. O psicólogo considerará as relações de
poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas
atividades profissionais, posicionando-se
de forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código.”
Desta forma, é fundamental posicionarmo-nos
contra este projeto[1],
que promove a desigualdade e a violência e desrespeita a integralidade de seres
humano.
[1] Não só contra este projeto, mas
contra qualquer proposta que atente contra a dignidade humana. A emergência
deste ato e de outros atos aparentemente repentinos se deve aos prazos curtos
entre a possibilidade de impedimento e da votação para a aprovação dos projetos.
Infelizmente, temos poucos instrumentos coletivos de luta e há enormes
dificuldades em promover articulações, tendo que recorrer a estratégias
emergenciais.
Fontes de pesquisa:
- http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2015/09/pelos-nossos-direitos-contra-o-estatuto.html
- http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf
- PL 6022/13 : http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1112500&filename=PL+6022/2013
- Lei 12.845: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12845.htm
- PL 5069: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12845.htm
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