quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Por que fora Cunha?

Este texto foi escrito pra uma prof minha, que pediu pra que justificássemos por que pedimos para ela cancelar a aula. Eu não faço ideia do por que estou justificando isso pra vocês e nem pra ela, mas tá aí.  <3

Por três motivos deixei de ir à aula quarta-feira passada (04/11): Por ser mulher, por ser estudante e por ser uma futura profissional de Psicologia.
Por ser mulher porque percebo que, ainda que a muito tempo sejamos perseguidas, desrespeitadas, deslegitimadas, negligenciadas e violentadas de todas as formas, resistimos. Sobrevivemos. E dessa sobrevivência, fazemos vida. E para isso, lutamos. Atualmente, um de nossos inumeráveis embates tem sido, ainda, pelo respeito aos nossos corpos e a nosso direito a controlá-los. Em contrapartida, pessoas privilegiadas de diversas formas, como o Deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), (Homem, branco, cisgênero, heterosexual, rico, detentor de poderes políticos) fazem propostas, em acordos tenebrosos com pessoas e instituições diversas (políticas, religiosas, econômicas, etc.), com a intenção justamente de controlar e desrespeitar nossos corpos, uma das formas de manter-se em seus privilégios. Com o PL 5069/13, de sua autoria, o  atual presidente da Câmara propõe a criminalização do anúncio de meios abortivos e revoga a lei de atendimento às mulheres e meninas vítimas de violência sexual, a 12.845, logo, será considerada criminosa e condenada à muitos anos de prisão (variáveis entre usuário e profissional), tanto a pessoa que desejar praticar o aborto, independente da circunstância em que  gravidez ocorra (e claro, ignorados seu desejo e suas necessidades), quanto à pessoa que cumprir com seu dever ético profissional de prestar atendimento -de qualidade- àquela vida (e todas as vítimas de abuso sexual, independente de gravidez ou não, deverão ser atendidas de forma desrespeitosa, desumana e burocrática).
Entendo que o aborto seja uma prática complexa e que se trata de decidir por outra (possível) vida e que não é uma escolha simples. Mas da mesma forma que abortar pode trazer conseqüências físicas, psíquicas e mesmo sociais, não abortar pode trazer outras conseqüências tão ou mais graves, e se há uma decisão a ser tomada, ela deve partir daquela pessoa que vai sofrer diretamente tais conseqüências e têm a possibilidade de se expressar sobre elas: a mulher (ou o homem trans, porque é também uma possibilidade que deve ser considerada.). Logo, enquanto mulher, em solidariedade com outras mulheres e homens trans e em respeito aos nossos direitos, tenho o dever de lutar.
Enquanto estudante, entendo que o aprendizado acontece em diversos tempos e espaços. Mesmo o aprendizado pedagógico/escolar/acadêmico, não se efetiva apenas dentro de uma sala de aula. As atividades em campo são fundamentais para que se concretize a práxis educativa, para que a teoria e a prática de fato sejam uma síntese que proporcione uma vivência coerente e justa. Considero os espaços de militância, de participação social, educativos, conscientizadores e empoderadores. São espaços de contato ativo com a realidade em que aplicamos e absorvemos conhecimentos teóricos para o cumprimento de nossos deveres enquanto cidadãos e cidadãs.
Na manifestação pude entrar em contato com pessoas de diversos cursos e mesmo pessoas que não estão inseridas em espaços formais de educação, percebendo, na diversidade dos discursos e práticas, a riqueza proveniente da articulação dos diversos saberes para a composição de lutas que garantam o direito de todos. O embasamento histórico da luta de nós mulheres, as análises socioeconômicas que contextualizam o momento que estamos vivendo, as possibilidades de engajamento por meios artísticos, os modos de enfrentamento cotidiano das trabalhadoras, enfim, uma diversidade de saberes.
Enquanto futura profissional de psicologia, comprometida com a realidade e preocupada com o bem estar integral dos sujeitos e da coletividade, é minha responsabilidade estar inserida em espaços como o que foi articulado, afinal, para além de nossos deveres enquanto cidadãos, temos (profissionais de psicologia), fundamentando nossa prática, os seguintes princípios:

“I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural. IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática. V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão. VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada. VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código.”

Desta forma, é fundamental posicionarmo-nos contra este projeto[1], que promove a desigualdade e a violência e desrespeita a integralidade de seres humano.




[1] Não só contra este projeto, mas contra qualquer proposta que atente contra a dignidade humana. A emergência deste ato e de outros atos aparentemente repentinos se deve aos prazos curtos entre a possibilidade de impedimento e da votação para a aprovação dos projetos. Infelizmente, temos poucos instrumentos coletivos de luta e há enormes dificuldades em promover articulações, tendo que recorrer a estratégias emergenciais.

Fontes de pesquisa: 

  • http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2015/09/pelos-nossos-direitos-contra-o-estatuto.html
  • http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf
 As proposições e a lei:
 
  • PL 6022/13 : http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1112500&filename=PL+6022/2013
  •  Lei 12.845: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12845.htm
  • PL 5069: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12845.htm 

Nenhum comentário:

Postar um comentário