sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Eu não faço ideia do porquê sentei na mesa desses caras



Engraçado... depois que rapei a cabeça comecei a pensar sobre uma coisa... interessante. Novamente (como estou quase sempre fazendo, ainda que nem sempre conscientemente) refletindo sobre a forma das coisas, comecei a reparar nos comentários das pessoas. Independente dos clichês aos quais já estou habituada (“Nossa, que coragem!”, “Que porra é essa?” “Você é louca?”” Quem deixou?” “Ah, você é linda de qualquer jeito....”) andam aparecendo uns comentários que pra mim são bastante... intrigantes!
Algumas pessoas comentaram sobre o quanto eu fique “menininha”, “feminina” com esse cabelo. Gente, que baque! Claro que eu quase sempre estou tentando buscar minha tão querida androginia (sim, pensando em todo um padrão estético binário de formas de homens e formas de mulheres), claro que estou quase sempre falhando também haha Mas não esperava que “radicalizando” como eu fiz eu estaria reforçando, ao menos no imaginário de algumas pessoas, minha feminilidade ou seja lá o que o comentário signifique. Ok, isso é um ponto. Mas o ponto principal é: o que significa ter um rosto “feminino”, ou “de menina”? (se é que é possível pensar no rosto em separado do resto do corpo).
Eu sou uma pessoa negra (nossa, deu uma vontadona de escrever mulher negra, mas o peso e o significado disso fizeram meu superego me conter silenciosamente. Que fique registrado, porém.). O que caracteriza no imaginário popular a forma de uma pessoa negra? Bundão, narigão, cabelo crespo e a cor marrom, certo? Mas voltemos ao nariz e paremos no rosto. Suspende!
O que caracteriza uma mulher no imaginário popular? Traços finos e delicados, cabelão, batom não pera, rs
Retoma!
Negre: Nariz alargado, bocão, traços mais “grossos”, cabelos crespos, bundão.
Mulher: Traços finos e delicados, cabelão, etc (eu tenho reais dificuldades em me lembrar da caracterização hegemônica algumas vezes, sério :S )
Enfim, como pode uma criatura SEM CABELO, COM NARIGÃO E TRAÇOS “GROSSOS”, ser “menininha”?
Eu acho que não vou conseguir chegar exatamente onde eu quero por aqui, mas fica a questão:
Estão negando minha negritude, minha masculinidade, ou minha feminilidade?
Ou será que é cada vez mais óbvio (pra mim) que características físicas não são em si determinantes de porra nenhuma?
Ah, tchau

domingo, 4 de outubro de 2015

Porta

Comece por cima, pra que caia em baixo.
Limpe todos os móveis.
O pano não pode estar muito molhado, mas seco demais levanta poeira.
Passe o lustra móveis em seguida.
Evite despejá-lo direto no móvel. A não ser que passe o pano muito rapidamente, melhor passar no pano. Isso evita manchas.
Após terminar, verifique novamente se todos os móveis estão prontos e aí sim comece o chão.
Espero que já tenha lavado as vasilhas antes de iniciar o procedimento.
Suspenda tudo o que for possível e principalmente o que for atrapalhar seu desempenho com o rodo.
Não use vassoura, rodo evita que a poeira se espalhe. Limpe os objetos e pés dos móveis antes de suspendê-los em um local limpo. Ou limpe o local ao término.
Utilize o rodo inicialmente como uma vassoura. Em seguida, jogue água. Se houver necessidade, esfregue com uma escova ou vassoura, o chão. Tenha cautela com móveis antigos e desgastados, eles podem soltar dejetos ou mesmo ruir.
Procure jogar água nos cantos da parede. Dos cantos para o centro do ambiente. Detergente ou produtos químicos podem ser muito escorregadios, caso faça questão, muito cuidado. Prefira utilizar no pano de primeira secagem, logo após rapar. Procure uma superfície resistente para que não adquira muitos calos em sua mão ao torcer o pano. Passe-o novamente e caso verifique que ainda ficou muito molhado, passe outro pano, completamente seco. Repita o procedimento em todos os cômodos.
Realmente espero que já tenha lavado as vasilhas antes de iniciar o procedimento.
Lembre-se que quem caga neste banheiro é você. Não precisa enfiar a mão na bosta, entretanto, existem escovas com cabos longos as quais você pode utilizar para lavar todo o vaso. Mas se preferir, separe uma esponja apenas para esse fim e a utilize nos assentos, caixa e tampa.
O borrão escuro perto do ralo do chuveiro sai se deixar um pouquinho de água sanitária agindo antes de esfregá-lo com uma esponja. Lã de aço ajuda, porém é perigosa para as mãos.
Procure não deixar os vidros do box molhados, isso mancha.
Após o término da limpeza, descanse um pouco suas costas e suas mãos infestadas de cheiro de desinfetante.
Suas mãos infestadas de cheiro de desinfetante.
Infestadas de cheiro de desinfetante.
Cheiro de desinfetante.
Mãos.
Lave as mãos.
Limpe bem entre os dedos e se possível , em baixo das unhas.
Esfregue bastante enquanto estiverem ensaboadas.
Enxágue e cheire.
O cheiro ainda é uma mistura de desinfetante e sabonete.
Molhou um pouco o nariz.
Enxágue o nariz com as mesmas mãos que levam em si o cheiro do desinfetante e do sabonete.
Pingou um pouco na boca.
Lave a cara!
Escove os dentes!
Tome banho!
Esfregue, esfregue, esfregue!
Lave os cabelos.
Pingou um pouco de creme no chão, para fora do box.
Limpe o creme.
Aquilo é cabelo caído no canto?
Não toque!
Papel higiênico.
Jogue tudo fora.
O banheiro está encharcado das suas gotas.
Feche a porta. Tranque.
Apague a luz e volte para o chuveiro.
Chore baixinho.
Sinta a água cair em seu corpo.
Foda-se sua mão.
Apenas sinta.
A água escorre, acalma, logo os pensamentos começam a ser atravessados por
o quarto, ainda não arrumei o quarto.
Mas para arrumar o guarda-roupas é preciso arrumar as gavetas.
Para arrumar as gavetas é preciso organizar o armário e durante toda a faculdade ele ficou bagunçado.
Que texto é esse?
Catalogue.
Datas, temas, aulas, professores...
Em seguida, as roupas. Separar por cores facilita.
A decoração do quarto pode permanecer assim por hoje, o cansaço já não permite mais que se faça outra coisa a não ser concluir que lá fora continua tudo um caos.

sábado, 3 de outubro de 2015

172, despedida ou o terceiro



Agora eu entendi. Não esperava alcançar este ponto por esta via, mas o que, afinal, se deve esperar? Por que esperar por algo?
Não é uma ode à meritocracia. Nem tanto. Mas a questão é exatamente essa: não é possível
 chegar lá.

Talvez venha da dor. Mas não sei se é suficiente. Pode vir do amor também, brotando do limiar entre a construção e o rasgar de corpos. Não sei a origem, mas está lá. Implora o tempo todo para que seja alcançada, acolhida, mas não encontra repouso. Vê semelhanças. Vê identificação. Encontra. Faz morada na fluidez, mas não há nada mais certo do que a certeza de que não pousa no desigual.
Doloroso não ser. Doloroso não estar lá e assistir. Doloroso expectar o próprio fracasso. Dilacerante estar no lugar de impotência, desejo e reconhecimento.
Não há como não se encantar e é desgostoso não agradecer. Às marcas no corpo, o deslumbre em si, as tentativas, as mãos, braços, corpos estendidos.

-Toma teu cálice, transborda ignorância.
- Um brinde à mediocridade!

Lagarto

O nó da tua orelha ainda dói em mim
mas sua verborragia me enlouquece
fala demais por não ter nada a dizer
MUDA!
emudece                        MUDA!
                     cálice
                                           MUDA!
Sobe em espiral pro além som
Desce em diagonal pro aquém mar
      Por que em Goiânia só tem fossa
  Tudo podre
                            MUDA!
  Rastejo
                       Sei que sou eu
   EU SEI QUE SOU EU
quero sentir meu corpo
                 QUERO SENTIR EU CORPO
                        MUDA!
arranca as vísceras da sua dor
MUDA
     Arranca o salgado da tua cor
                       MUDA
arranca do sonho seu sabor eu não faço ideia
eu não sei

eu não sou
eu não soube.