sexta-feira, 25 de março de 2016

A gata

Apareceu no bairro.
Na real não sabíamos o sexo.
Mas era a gata.
Começou com cafuné.
Cafuné e ração de adulto.
Cafuné e ração de criança, adequada. Doaram pra gente.
Cafuné, água, ração de criança, colo...
Todo dia esperando nossa chegada.
E mais cafuné, mais água, mais ração de criança, mais colo.
Vamos por pra dentro.
Garagem.
Travesseiro, caixa de papelão, cafuné, água, ração de criança, colo.
Três dias.
O suficiente para haver implicância.
O suficiente para aparecerem pelos no sofá do hall.
Tiros de chumbinho percorriam o bairro.
Mas aqueles olhões verdes e aqueles miadinhos doces sempre foram mais espertos.
Três dias.
Burburinho, medo. Medo de veneno, medo de pneu, medo de pontapés...
Três dias.


O terreno baldio.
Mega estrutura.
Caixas de papelão, base de madeira e travesseiro.
Comida protegida das vistas alheias.
O apartamento perfeito.
Choveu.
A caixa é de papelão.
Onde será que ela está?
A comida, será que molhou?
O travesseiro com certeza enxarcou.
Choveu.
Ventou.
Não parou de chover.
Três dias.
E choveu no dia em que foi para o terreno baldio.
Três dias.
E a covardia se precipitou.
Três dias.
Que fim levou?
Será que voltou correndo para o sofá?
Será que se molhou?
Três dias.
Escolhemos exatamente o dia errado.
Três dias.
Três malditos dias.

As vezes penso que são assim as escolhas, todas, da minha vida.
Acovardadas.
Imbecis.
Erradas.
Vinte e três anos.
Três dias.
E uma chuva.

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