sábado, 22 de março de 2014

Aborto

Sempre achei nove meses um tempo grande demais pra manter presa uma criatura à outra.
Mas de um tempo pra cá vinha me acostumando com a ideia. As consequências pareciam ser bem mais vantajosas que o tempo de espera. Coloquei isso firme na cabeça, passei a acreditar seriamente. É isso.
Colocar um novo ser no mundo, educá-lo à sua maneira, ensiná-lo a ver o mundo com olhos diferentes dos daqueles que me provocam repulsa, vê-lo e enfim, desabrochar como uma linda borboleta que sai do casulo depois de tanto tempo. E voar por aí.
Chegou o momento.
No primeiro mês, tudo maravilhoso! Não só eu apaixonadíssima, mas todos ao redor, experimentando aquela sensação nova de mudança de uma vida, de mudança de rotina. Naquele momento em que alertas são verbais, pássaros cantam mais afinado, dores são curadas com beijinhos e almas se encontram para se conhecer.
Segundo, terceiro, quarto mês e o ritmo se mantém. Algumas dores na coluna, mas nada que não possa ser rapidamente resolvido com alguns palavrões “sorridos”.
Quinto e sexto mês e as dores na coluna aumentam consideravelmente a freqüência e intensidade. Os chutes e soluços, as insônias, os medos, inseguranças... todos juntos, de uma só vez, para meu desespero... mas eu não queria desistir. Não mesmo! Nos mantivemos firmes.
Sétimo mês e alguma coisa dá muito errada!
Pessoas de todo lado tentam socorrer, apelo pra medicina alternativa, pra sublimação, pra militância... qualquer coisa que me faça salvar essa criatura e a mim. Ufa! Parece que foi alarme falso. Parece que tudo está bem.
Oitavo mês e já não dá mais. Não dá mais pra esperar o nono. Os palavrões que há muito já não são sorridos, agora vociferam animalescos, sem pudor. Os chutes, soluços, insônias, medos e inseguranças encobriram o brilho nos olhos. A medicina alternativa agora só direciona para um fim trágico. A sublimação ainda é válvula de escape, mas parece que pra uma coisa já determinada. A militância também e essa ainda acaba prejudicada... Eu queria salvar a criatura em mim, mas ela precisa se libertar.
Acho que toda a dificuldade do processo esteve o tempo todo em não perceber que pessoas não são massas de modelar. Que não dá pra controlar tudo e principalmente, que nem tudo sai como queremos e nem deve ser assim.
Pois vá, então, criatura! Liberte-se! Voe! Siga o fluxo natural das coisas!


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